"Continuo tendo a capacidade para mudar o mundo", diz Obama
Em Washington (EUA)
- O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, busca estreitar relações com a Europa
Na Ásia, o presidente americano buscou abrir mercados, estender sua influência e contrabalançar a ascensão incontível da China. Foi uma viagem com o olhar posto no futuro. Na Europa, por sua vez,
Obama tenta salvar a aliança atlântica da incerteza sobre sua sobrevivência e das divisões criadas pela guerra do Afeganistão.
Tenta também dar conteúdo a um vínculo com a Europa que se dilui dia a dia na irrelevância. Tenta, em suma, que o diálogo transatlântico seja algo mais que um instrumento do passado.
As duas viagens estão unidas, no entanto, pelo fato de que Obama procura nos dois casos recuperar sua imagem, gravemente deteriorada pela derrota eleitoral sofrida por seu partido em 2 de novembro.
Sua estatura como líder internacional está à prova. Nesta entrevista que concedeu a "El País" por escrito e em exclusividade para a Espanha, Obama fala das consequências desse revés, de suas ambições internacionais e sua visão sobre o futuro da Otan e o papel da Europa.
El País: Diga-me a razão mais poderosa pela qual vale a pena que os soldados espanhóis continuem arriscando suas vidas no Afeganistão.
Barack Obama: Primeiro, deixe-me expressar minha gratidão pelos esforços e sacrifícios que a Espanha fez no Afeganistão. Creio que a Espanha está comprometida nessa missão pela mesma razão que nós e outros aliados da Otan: garantir a segurança de seu país e proteger a população espanhola dos ataques da Al Qaeda e seus afiliados, impedindo que eles disponham de um santuário no Afeganistão.A Espanha conhece de primeira mão a angústia e a dor dos ataques terroristas sem sentido. A Al Qaeda continua sendo hoje a ameaça terrorista nº 1 da Europa e os líderes da Al Qaeda continuam manifestando sua intenção de atacar a Europa e os EUA.
El País: E quanto tempo mais será necessária a presença militar no Afeganistão?
Obama: A Otan mantém seu compromisso na missão do Afeganistão. Ajudar que o Afeganistão seja mais estável e mais seguro é de vital importância para os EUA e para a segurança europeia.Todos juntos, incluindo a Espanha, podemos conseguir que as forças de segurança do Afeganistão aumentem sua capacidade e possam assumir sua responsabilidade de defender a população afegã contra ameaças externas e internas.
Isto vai levar tempo, e nosso compromisso com o Afeganistão é de longo prazo. Não podemos dar as costas ao povo afegão, como antes.
O presidente [Hamid] Karzai apoia esse compromisso em longo prazo e defendeu publicamente o objetivo de que as forças afegãs assumam o comando da segurança no final de 2014.
El País: Essa será a sua mensagem na cúpula de Lisboa?
Obama: Na cúpula, esperamos que nossos aliados e parceiros reafirmem seu compromisso duradouro para promover um processo de transição sustentável mediante o anúncio de mais efetivos para o treinamento das forças afegãs e expondo seu apoio em longo prazo ao Afeganistão através da Declaração de Cooperação Otan-Afeganistão.El País: O senhor apoiaria uma solução para a guerra do Afeganistão através de um diálogo do governo com os taleban?
Obama: Como dissemos várias vezes, os EUA e nossos aliados da Otan apoiam plenamente um processo de reconciliação e reintegração que busque a reincorporação à sociedade daqueles membros dos taleban que estejam de acordo com alguns pontos principais: têm de abandonar a violência, romper seus laços com a Al Qaeda e aceitar viver sob as regras da Constituição afegã, incluindo os capítulos que protegem os direitos de todos os afegãos.Essa reconciliação começa com um diálogo com as forças insurgentes e deve ser dirigida pelos próprios afegãos.
Nosso objetivo é um Afeganistão próspero e seguro. Conseguir isso também servirá para termos uma região e um mundo mais a salvo das ameaças terroristas.
El País: Em seu último deslocamento ao exterior o senhor passou dez dias na Ásia e três na Índia. Em troca, vai ficar só três horas em Lisboa com os líderes da UE. É um reflexo das novas prioridades de sua política externa?
Obama: Com nossos amigos europeus, vamos discutir como promover a estabilidade, a liberdade e a prosperidade para nossos povos, mas também em benefício de outros povos ao redor do mundo.Desenvolver novas alianças em outras regiões não significa que o façamos às custas de nossa relação com a Europa. É algo que beneficia a todos. Estou convencido de que muitos parceiros europeus estarão de acordo com isso, e de fato vejo que a Europa também está aprofundando seus laços em outras partes do mundo.
A realidade é que, onde quer que vejamos um desafio, os EUA consultam a Europa e trabalham com a Europa para enfrentá-lo, e o fazemos porque compartilhamos valores e ideais.
El País: Isso se reflete na agenda de suas reuniões em Lisboa?
Obama: Essas duas cúpulas, com a Otan e com a UE, demonstrarão, com efeito, que EUA e Europa trabalham juntos em uma ampla lista de assuntos econômicos e de segurança de caráter global.Grande parte do que discutiremos nessas cúpulas é como, juntos, podemos promover a segurança e a prosperidade mundiais.
El País: Que papel o senhor contempla para a Otan em um futuro à margem da guerra do Afeganistão?
Obama: Esperamos adotar em Lisboa um novo conceito estratégico da Otan que reafirme nossos valores compartilhados e nosso compromisso com a defesa de cada um dos membros.Esse novo conceito estratégico identifica novas ameaças das quais temos de nos defender juntos, ameaças como o terrorismo, as atividades criminosas no ciberespaço, a proliferação de armas de destruição em massa, seus meios de distribuição e outros desafios.
O novo conceito estratégico admite que existem ameaças modernas que também exigem uma resposta global e implementa um modelo de alianças com outros países e outras organizações que é muito semelhante à nossa própria estratégia de segurança nacional.
El País: O terrorismo é a maior dessas ameaças?
Obama: O último conceito estratégico foi escrito em 1999, antes dos ataques de 11 de setembro de 2001.O novo conceito deixa claro, efetivamente, que o terrorismo internacional e a instabilidade em territórios estrangeiros podem ser ameaças diretas contra a aliança, e que o tratamento e a resposta às crises, incluindo a adoção de medidas de caráter cívico-militar, serão um importante instrumento da Otan no futuro, como foram as operações nos Bálcãs e agora no Afeganistão.
O novo conceito estratégico também insiste em nosso compromisso de manter as portas da Otan abertas a todas as democracias europeias que cumpram os requisitos para ser membros.
A Otan é a aliança mais bem-sucedida da história porque é construída sobre uma premissa fundamental e duradoura que se manteve durante 61 anos: porque compartilhamos os mesmos valores e as mesmas preocupações de segurança.
Entre a visão do novo conceito estratégico e a decisão de desenvolver novas capacidades, que incluem a adoção de uma defesa antimísseis, a cúpula de Lisboa promoverá o tipo de guia que é necessário para transformar a Otan e garantir que continue sendo tão bem sucedida no futuro como foi no passado.
El País: O senhor acredita que a crise econômica e sua consequência para a imagem da Espanha no mundo diminuiu o papel da Espanha no contexto internacional?
Obama: A crise econômica foi um profundo desafio para muitos países, incluindo o meu.Como nós, a Espanha está trabalhando para fazer os ajustes necessários para restabelecer o crescimento e está obtendo respeito por esses esforços.
No cenário internacional, estamos trabalhando juntos para garantir uma recuperação forte e duradoura.
A Espanha continua jogando um papel importante nesse processo, e o primeiro-ministro Zapatero e eu acabamos de estar em Seul em uma importante reunião do G20.
El País: Da sua perspectiva, que papel terá a Espanha no futuro de Cuba e em geral nas relações dos EUA com a América Latina?
Obama: Dados os profundos laços históricos, culturais, econômicos e familiares que tanto os EUA como a Espanha têm com os países da América, existe uma ampla gama de oportunidades de que nossos dois países trabalhem juntos em objetivos comuns.A Espanha é um aliado valioso em assuntos fundamentais da América Latina, como a defesa dos valores democráticos, o desenho de um futuro de energias limpas ou a segurança dos cidadãos em seu dia a dia.
Trabalhamos com o primeiro-ministro Zapatero nesses assuntos e esperamos continuar a fazê-lo.
El País: Depois da derrota sofrida por seu partido nas eleições legislativas deste mês, o senhor continua sentindo o mesmo entusiasmo e a mesma capacidade para mudar o mundo, como um dia prometeu?
Obama: Sim, ainda os tenho.A mudança é difícil e leva tempo, mas as pessoas, seja nos EUA ou em qualquer outra parte do mundo, querem criar um futuro melhor para elas mesmas, para seus filhos e para as futuras gerações.
É exatamente com esse propósito que me proponho revitalizar nossas alianças com a Europa e a Ásia, construir novas alianças, enfrentar a crise econômica através do G20 ou atacar o terrorismo.
Creio que fizemos grandes avanços em restabelecer a liderança dos EUA. Sinto um interesse sincero de outros líderes do mundo em trabalhar com os EUA para enfrentar problemas comuns.
Essas duas cúpulas, e a de Lisboa em particular, são muito importantes exatamente porque afetam a segurança e o bem-estar coletivos.
El País: Então o senhor é o mesmo Obama em quem o mundo confiava tanto?
Obama: Deixe-me compartilhar com você até que ponto me senti inspirado em minha recente viagem à Índia, quando visitei a residência de Gandhi em Bombaim, Mani Bhavan.Serviu-me como um poderoso lembrete de que um só homem pode fazer a diferença.
Por isso é que sim, sinto-me tão comprometido como quando jurei como presidente continuar trabalhando para promover a paz, a prosperidade e a segurança.
El País: Mas o senhor ainda acredita, depois dos resultados eleitorais, que é melhor ser um bom presidente de um só mandato do que um mau presidente que consegue a reeleição?
Obama: Sim, continuo crendo que é melhor um bom presidente de um só mandato do que um presidente medíocre de dois.Disse mais de uma vez que há uma tendência em Washington a pensar que o principal trabalho de um político eleito é o de ser reeleito.
Não é isso que penso de meu trabalho.
A descrição que faço do meu trabalho é de solucionar os problemas e ajudar as pessoas.
Não vou afrouxar no que se refere a tentar resolver os grandes problemas que afetam os EUA. A Ásia não está afrouxando.
A Europa não está afrouxando. Eles estão preocupados com suas economias, com seus filhos, com a segurança de seu país; exatamente as mesmas coisas com que os americanos estão preocupados.
Eu não quero ter de olhar para trás e dizer a mim mesmo que tudo com que me preocupei foi com minha própria popularidade. Não é esse meu objetivo.
Minha obrigação é ter a certeza de que sou fiel aos princípios, às crenças, às ideias que farão avançar os EUA e fortalecer nossos parceiros em todo o mundo.
Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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