Hillary complica-se com o marketing (Pedro do Couto)
Nas três últimas semanas - escrevo este artigo antes da disputa em Wisconsin -, depois de oito derrotas seguidas para Barack Obama nas prévias do Partido Democrata, a senadora Hillary Clinton substituiu Betty Solis Doyle na gerência de sua campanha e colocou em seu lugar Mike Henry. Este não ficou cinco dias no posto. Os resultados de Maryland, Washington DC e Virgínia o derrubaram.
Creio que Hillary errou, nem tanto nas demissões mas sim pela forma com que as realizou e pela publicidade que liberou a respeito. Perdendo nas urnas e afastando sumariamente dois chefes de sua assessoria, indiretamente passou a idéia de que depende mais do marketing do que de si própria. Claro. Pois se achasse que o problema se encontrava em suas colocações à opinião pública, ela própria teria mudado o enfoque que norteia sua comunicação com os eleitores através dos jornais e emissoras de televisão.
Da forma como agiu deu idéia de que estava - e está - aceitando a condição de um produto publicitário e não, como deve ser, de uma representante política do eleitorado. As coisas foram mal? Muda os publicitários. Nada disso. Muda o discurso. Procura outra forma de chegar à população. Altera o ângulo das questões, modifica a abordagem. Um candidato não é um produto.
Para definir isso basta um argumento definitivo: o candidato (no caso candidata) tem emoção. O produto é algo frio, impessoal. O voto, no fundo, é a atitude coletiva mais humana e pessoal que existe.
Não quero dizer com isso que o que se convencionou chamar de marketing (palavra sem tradução no português) não seja importante e até decisivo. Mas o marketing é para transportar da forma mais eficiente, clara e direta possível as realizações dos administradores ou a palavra dos que buscam o voto popular. Como meio, na realidade é um adjetivo. E adjetivo não tem força para entrar no lugar do substantivo. Assim, para que a idéia do marketing na prática funcione, é indispensável que, antes de ser acionado, existam idéias e fatos concretos. Cada pessoa é um universo.
Os produtos são fabricados em série. Hillary, na etapa final e derradeira das primárias, precisa ser mais ela mesma e menos um instrumento publicitário. Até porque, se colocarmos o problema à luz da matemática, e nada no mundo acontece sem ela, a política é um teorema, algo que precisa ser comprovado na prática. A publicidade é um axioma, algo para o qual não há necessidade ética de comprovação. Tanto assim que no universo comercial cada empresa diz que seu produto é o melhor e vai em frente sem necessidade de explicar por quê.
Hillary Clinton confundiu sua imagem humana com a imagem que os responsáveis pelo seu marketing asseguravam que fariam dela. Hillary afastou-se de si própria e procurou a magia que cerca as representações artísticas, especialmente no cinema. Foi seu erro. Os estados de Maryland, onde está o Distrito de Colúmbia, a capital dos EUA e a Virgínia têm importância média.
O primeiro pesa 10 pontos, o segundo 13. Wisconsin também pesa 10. Já no dia 4 de março, as prévias serão em Ohio (peso 20) e Texas (34, terceiro colégio eleitoral do país). O modo equivocado de Hillary enfocar os rumos de sua campanha, a meu ver, foi grande. Caso não seja corrigido, o que é possível, pode lhe custar a convenção final do partido e a indicação democrata para enfrentar o republicano McCain nas urnas de novembro. Os democratas, inclusive, estão motivados. Afinal, encontram-se há oito anos fora da Casa Branca.
Poderiam ter derrotado George Walker Bush em 2000 com Al Gore, não tivesse este errado ao escolher o senador Jacob Birman para seu companheiro de chapa. Birman, embora democrata, era um crítico do comportamento sexual de Bill Clinton. Portanto, reduziu o empenho deste na campanha. Em segundo lugar, o campeão da defesa dos consumidores, Ralph Nader, que sempre votou com os democratas, resolveu candidatar-se pelo Partido Independente. Obteve apenas 5 por cento dos votos. Mas Gore perdeu para Bush, numa apuração sombria, por algo em torno de 0,5 por cento, na Flórida.
Não foi a primeira vez que uma cisão derrota o Partido Democrata. Em 68, Hubert Humphrey perdeu para Nixon por 1 por cento, desfecho surpreendente em Illinois, reduto democrata, estado pelo qual Obama é senador. Naquele pleito, o governador do Alabama, George Wallace, rompeu com o presidente Lyndon Johson e disputou pelos independentes. Teve 10 por cento da votação e venceu no Alabama, no Kentucky, na Louisiana e em Arkansas. Na verdade, foi quem levou Richard Nixon à presidência. Mas estes são outros fatos. Eu falava de marketing.
Pois é. No Brasil, infelizmente, muitos políticos de uns tempos para cá resolveram adotá-lo como fenômeno mágico capaz de substituir a lógica. Assim como se um artista pintasse um quadro e encerrasse a questão. A arte é uma forma em si mesma. A política, não. Ao contrário. Tem que ser exercida tanto para si quanto para os outros. É substantivo. Adjetivo algum pode ocupar seu lugar.
Hillary errou e assim complicou sua viagem de Nova York para Washington, em novembro.